20 outubro 2005

Farmácias: liberalizar a entrada não basta

Luís Cabral:

Desde os tempos de Adam Smith, gerações e gerações de economistas têm-se formado sob o lema de que o mercado livre funciona bem. Mais concretamente, se as várias condições da livre concorrência se verificarem, então o equilíbrio do mercado é eficiente.

Um dos problemas com esta ideia é que facilmente leva a silogismos plausíveis mas falsos. Um exemplo concreto: (i) a livre entrada é uma das condições da livre concorrência; (ii) permitir a livre entrada aproxima-nos do modelo ideal de concorrência; (iii) logo, permitir a livre entrada leva a um acréscimo da eficiência do mercado. Certo? Não necessariamente.

Vem isto a propósito do debate sobre as farmácias. Fala-se muito sobre o interesse público em liberalizar a abertura de novas farmácias. Actualmente, por cada licença que se cria, o número de candidatos é em média de várias dezenas; isto é, a pressão latente do lado da oferta é forte.

O que aconteceria se, de hoje para amanhã, o governo tornasse o processo de lincenciamento mais flexível, sem mexer nos outros outros termos da equação? A resposta é simples: assistiríamos a um acréscimo significativo do número de farmácias, principalemte nas áreas urbanas. Que benefícios é que isto traria para o consumidor? Uma farmácia em cada esquina poupa custos de transporte, sem dúvida; mas à parte disso, pouco mais ganharia o consumidor. De um ponto de vista colectivo, o principal efeito seria um jogo de soma nula entre as farmácias, umas roubando quota de mercado às outras, não gerando grande valor acrescentado para a economia.

Mas então a concorrência não leva a preços mais baixos? No actual sistema, em que as margens são fixadas pelo Estado, não. Entramos então nos outros “termos da equação”. Uma possibilidade é que o governo passe de margens fixas para margens máximas. Mas é pouco provável que isto tenha grande efeito: o mais provável é que as farmácias, ou pelo menos as associadas da ANF, mantenham o preço máximo como preço efectivo.

Por estes motivos, creio que a solução para o problema passa necessariamente pelo decréscimo substancial das margens máximas permitidas às farmácias. Depois disto, poderemos falar sobre a liberalização da abertura de novas farmácias. Nesse momento, o problema não será tão polémico como agora, pois a pressão do lado da oferta será muito mais fraca.

Liberalizar a entrada, só por si, não resolve o problema.

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